Cuidado com o Gato!!

Era uma vez uma vila rural, em meio a montanhas longínquas, onde todos viviam felizes. quase que para sempre…

…até porque um eremita, numa alta caverna, era o guardião espiritual que garantia a saúde e bem estar daquele pequeno povo, assim como de seu sustento até que, de tão bem que estava, a coisa desandou os casais começaram a se desentender, a safra já não dava para todos, os jovens não queriam nada com a vida, os mais velhos começaram a morrer sem razão, o conselho dos anciãos resolveu tomar uma medida extrema, nunca dantes contemplada: em comissão, foram à loca do sábio, em busca de conselho e conforto.

Lá chegando, encontram o ermitão descabelado, a lidar com uma praga de ratos que tirava sua paz e sustento: “desde que os roedores me descobriram e aos meus grãos, nada mais faço a não ser lutar, dia e noite, para tirá-los daqui de pouco tem adiantado não posso lhes fazer mal; só assustá-los, e isso de pouco adianta, não mais medito, não há tempo para cuidar dos espíritos da aldeia, porque nem do meu há mais tempo para tratar”.

Os anciãos, em concílio sobre tal cena, propõem ao sábio uma solução tão natural que, quem sabe, ele aceitaria: “mestre, humildemente vos propomos um presente, da aldeia; ele saberá tratar os ratos e, como parte da mesma natureza que os criou, não é um mal que vos propomos, mas um bem: será que o mestre aceitaria, como nossa humilde oferenda, um gato?”…

o velho sábio parou e refletiu: um gato!… óbvio! como não havia pensado nisso? gatos competiam com ratos, parte da ordem natural das coisas e não havia nenhum mal em ter um deles por ali afinal, era capaz até do gato não fazer mal a nenhum rato; sua simples presença os levaria a procurar outra fonte de sustento que não a sua.

O eremita, agradecido, aceitou o gato e o comitê de anciãos, de volta à aldeia, providenciou um de imediato, e a paz foi restaurada, por muito pouco tempo, o tempo fechou e até uma morte violenta foi registrada, numa disputa entre vizinhos, algo que jamais havia acontecido antes.

Estarrecido, o comitê de anciãos volta a visitar o eremita e descobre que, depois de dar cabo de uns poucos ratos e ter-se saciado, o gato viu sua comida desaparecer, de pronto, começou a exigir de seu hospedeiro o alimento devido, o gato não comia grãos e miava o dia todo, e à noite toda, e o velho sábio tinha perdido a paz de vez. parecia ensandecido.

O comitê, de pronto, descobre o que falta: leite, e resolve o problema, com o aceite do velho mestre, presenteando-o com uma vaca e um bezerro, agora, o gato cuidaria dos ratos, se voltassem, o bezerro fazia a vaca produzir leite, e parte do leite seria do gato, o sábio poderia meditar e cuidar dos espíritos e todos estariam contentes e felizes, e os anciãos tinham certeza de que todos os problemas estavam, de novo, resolvidos para sempre.

Por um tempo, depois algumas estações, a vida na aldeia se tornou um inferno, secas, pragas, brigas, tudo o que não poderia acontecer estava acontecendo, muito e muito frequentemente, de novo, os anciãos sobem a montanha e, espantados, chegam a um velho homem descabelado, na lide com uma vaca que havia acabado de parir outro bezerro dentro de sua loca, agora imunda e inabitável, fezes sobre os preciosos grãos que outrora eram o sustento das preces… e um gato apavorado com bovinos e um humano dentro de um espaço onde mal cabia ele, o gato, e o felino só estava lá por causa do leite, e não entendia como o homem era incompetente a ponto de não conseguir ordenar a casa, ou ordenhar a vaca para si, o gato.

Os anciãos chegaram à mesma conclusão em pouco tempo e, ao mesmo tempo, a uma solução: o velho homem não tinha nada de prático, nem tinha que ter, o que ele precisava, mesmo, era de alguém que cuidasse dele e da casa, para que ele, por sua vez, pudesse cuidar dos espíritos. Propuseram que o mestre esposasse uma das moças da aldeia, o que foi aceito depois de alguma relutância mas, como estava, a coisa não podia ficar e, se havia alguém que poderia arrumar a coisa e a casa, talvez este fosse o caminho para voltar a meditar e, de mais de uma forma, “sair de si e do mundo”.

O velho mestre desce à aldeia: casamento, comemoração, despedidas e partem os nubentes montanha acima.  Todos respiram aliviados, afinal de contas, agora, sim, os problemas estavam resolvidos. e para sempre.

Por um tempo, algum tempo depois do qual a aldeia mergulha na mais profunda barbárie, a ponto de terem se esquecido, quase todos, do mestre e suas responsabilidades para com a vila, até porque, na guerra civil em que estavam mergulhados, vários membros do conselho perderam a vida, alguns condenados por traição, corrupção e crimes menores, até que, num hiato de paz no vale, alguém conseguiu reunir um grupo que lembrava do mestre e, em nome de todos, subiria a montanha a pedir conselho e guarida.

O que foi feito de pronto. lá em cima, encontram um senhor que cuidava da terra com um filho no braço e outro à barra da calça, aos berros. Uma jovem grávida tangia um pequeno rebanho, enquanto um velho gato gastava mais uma de suas vidas esperando o leite, olhando a caverna para que nela não chegassem os ratos para o sábio, tempo para meditar que é bom, nada.

Estupefatos, os aldeões gritam, surpresos: “mestre?!?…” ao que o homem, com a cara mais lavada do mundo, replica “cuidado com o gato…”

Conclusão:

Como em todas as parábolas, há muitas interpretações, mas há uma, quase padrão: o gato representa a ligação, o attachmentuma vez que o sábio, deixou para os outros escolherem como resolver seu “problema”, aceitou o “gato” e se ligou a ele, tudo passou a girar em torno da “solução”, que se tornou o verdadeiro problema.

Erros são essenciais: erre para aprender, erre para crescer.

Pense você mesmo: há muitas maneiras de resolver o problema dos ratos sem o gato, com o gato, e sem aprender a resolver os “problemas do gato”, é preciso cada vez mais ajuda externa até que, ao invés de viver, aquele que era sábio e conexão espiritual da aldeia deixa de viver e passa, apenas, a passar o tempo não “com” o gato, mas “para” o gato.

Não há nenhum bom manual para viver ou para aprender. Escrevemos nós mesmos o manual, o mais apropriado deles, mesmo tendo os melhores conselheiros, o mundo está cheio de gente para dar conselhos, a maior parte acompanhada de um “gato”.

O manual da vida é escrito e reescrito a cada oportunidade, a cada momento, a cada novo problema.  Mas nossos problemas são únicos, são nossos, sempre, e as coisas só [a]parecem como são quando abandonamos os preconceitos sobre elas, sob certos pontos de vista os ratos não são o problema que pareciam ser, muito menos precisam de gatos na solução.

Aprender, criar, inovar são atividades sempre muito complexas porque implicam na descoberta e/ou criação de espaços e comportamentos, produtos, serviços, métodos, processos, modelos de negócio, e porque são circulares: quando tudo está muito bem, quando você acha que sabe tudo, ou fez tudo, é exatamente antes deste ponto que você já deveria ter voltado a um novo ponto de partida e começado tudo de novo. Caso contrário, você se torna irrelevante, ou seu negócio morre, ainda mais rápido se tiver um gato. Pense, e escreva você mesmo seu manual, e reescreva, o tempo todo.